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Musk no DOGE: quatro lições do que não fazer quando vai se cortar despesas e uma grande oportunidade perdida para o setor de administração pública

Depois de 100 dias à frente do DOGE, Musk está de saída e é hora de fazer um balanço do que foi realizado até o momento. Dos USD 2 Tri de redução prometido em campanha que representam aproximadamente 30% do orçamento das despesas do governo americano de 2024, Musk defende que reduziu USD 160 Bi (~2,4%). Auditorias independentes estão avaliando os reais ganhos da empreitada e estão chegando em números muito menores, algo que seria por volta de USD 32 Bi (~0,5%). Mesmo assim muitas das alegações de reduções e ganho de eficiência são difíceis de verificar relatam os auditores. O fato é que olhando as despesas do governo americano de Abril deste ano, não podemos ver nenhum efeito de redução efetiva.

A criação do DOGE foi uma iniciativa excepcional
  • É um fato histórico e de certa maneira excepcional a iniciativa de Musk de ter conseguido criar o departamento governamental de eficiência e ter convencido o presidente Trump de sua importância. É inegável sua audácia, coragem e boas intenções em realizar algo grande para os Estados Unidos, mesmo que pudesse haver alguns interesses empresariais envolvidos. Normalmente governos resolvem tomar essas iniciativas de redução de despesas e melhoria de eficiência quando estão agonizando em situações insolúveis de dívida pública, inflação alta, economia deplorável e perda total de credibilidade. A Argentina é o melhor exemplo, mas outros países também como Grécia, Espanha, Itália e o Brasil demonstram que austeridade só vem quando a crise se agrava muito. Essa era a primeira vez que um Governo iria tomar a iniciativa de forma antecipada, pró-ativa e estabelecer a ideia de um departamento para cuidar disso de forma contínua.
Se a direção estava certa, a oportunidade excepcional e as intenções boas, a execução revelou um completo despreparo
  • Identifiquei quatro principais erros cometidos na execução com base nas informações publicamente disponíveis e da minha experiência de mais de 20 anos em redução de despesas e ganho de eficiência em grandes corporações.
Nunca prometa mais do que você possa entregar
  • Primeiro erro do Musk foi ter afirmado que poderia reduzir 30% do orçamento, um número bastante agressivo para uma corporação de cultura privada, muito mais para uma de cultura governamental. Por experiência, iniciativas de reduções trazem historicamente entre 10%-15% de redução segura. Essas iniciativas podem chegar entre 20-25%, mas em várias ondas de trabalho com elementos de otimização e automação, e isso depende muito da situação e estrutura da corporação. Musk foi imprudente ao comunicar um número sem nenhum aprofundamento. Quando se obtém mais do que se anunciou, conseguimos o efeito positivo sobre a resistência e propaganda negativa durante o processo.
Antes de sair cortando, entenda bem a organização, seu funcionamento e cultura
  • Segundo erro foi ter entrado numa das organizações mais complexas do mundo com mais de 3 Milhões de funcionários sem um estudo prévio. É o tipo de super mamute gigante que você primeiro estuda antes de decidir como você irá fatiá-lo. Além da complexidade inerente ao tamanho, existe a complexidade política e cultural. Primeiro são três grandes Sub-Governos (Legislativo, Executivo e Judicial). Cada universo deste é composto de dezenas de departamentos e agências. Em cada um precisa minimamente entender suas funções, propósitos, cultura, valores e estrutura. Sabemos que tem muita ineficiência neste tipo de estrutura gigante, principalmente quando é público, mas tem também muita coisa eficiente que gera muito valor e que é vital. Este é o tipo de situação que tem que ser necessariamente abordado em ondas, mas a fase inicial de diagnóstico é fundamental para não errar a estratégia de entrada. Ao contrário, Musk questionado se vangloriou numa entrevista que não havia plano: estamos cortando conforme analisamos.
Não executa corte, reduções ou ganho de eficiência sem métodos
  • Bons métodos e ferramentas são fundamentais neste tipo de operação. Elas garantem a segurança de como serão feitas as reduções, procurando gerar o máximo de eficiência, separando o joio do trigo, eliminando recursos desnecessários, preservando aqueles que geram valor e de funcionamento vital na organização. Existem diversas ferramentas para tratar estrutura de despesas fixas, algumas delas que fariam sentido neste contexto são: Orçamento Base Zero (OBZ), Análise do Valor da Atividade (AVA), Análise de Produtividade Operacional (APO) e Análise da Estrutura Organizacional (AEO). O uso dessas ferramentas é combinado e integrado conforme os objetivos estratégicos, dos resultados e prazos e do tamanho da organização. Em organizações muito grandes e complexas, onde não se pode demorar muito para ter resultado, e que precisa de um “choque cultural” inicial, o OBZ e a Análise da Estrutura organizacional são as ferramentas recomendadas por serem ao mesmo tempo rápidas em tratar grandes volumes de estrutura de despesa e suficientemente precisas para um resultado de curto prazo, de 3 a 6 meses, o tempo que Musk tinha a disposição inicialmente.
  • Adicionalmente a escolha da equipe de aproximadamente 70 pessoas não parece ter seguido também os métodos corretos. Era composta principalmente de engenheiros recém-saído de faculdade, ou profissionais da área de tecnologia sem nenhuma experiência prévia neste tipo de trabalho e com perfil muito técnico.
Nunca faça reduções, reestruturações e cortes sem a participação dos envolvidos
  • Finalmente, o maior erro cometido por Musk, foi ter criado um departamento isolado do resto das administrações sem envolvimentos das principais lideranças. Esta abordagem criou uma resistência inicial muito forte, os departamentos se blindaram contra a mudança, e Musk ficou numa posição de “Caça as Bruxas” com suas análises que viraram denúncias de dedo duro no salão oval. Sinceramente, se você quer errar este tipo de projeto, este é o método. Iniciativas de redução e corte de despesas tem seu apelo negativo natural, por isso qualquer iniciativa deste tipo deve ser desde o começo feito em conjunto com os departamentos envolvidos. A primeira etapa é a conscientização da necessidade, da importância e da transparência do que vai ser feito e como. Depois selamos o entendimento num acordo coletivo sobre os objetivos. Na metodologia do OBZ chamamos isso de Carta Diretriz. E o mais importante, as análises e as decisões de priorização e de eliminação são feitas a quatro mãos, mas liderados pelo próprio departamento que irá sofrer estes cortes. Havia inicialmente muitos funcionários a favor do projeto, Musk perdeu a oportunidade de usá-los como disseminadores e agentes de transformação cultural.
A grande oportunidade perdida para administração pública
  • Em conclusão, Musk tinha feito o mais difícil e inimaginável: criar o departamento de Eficiência Governamental. Poderia ter deixado a execução com os profissionais, não teria perdido o mérito e teria sido bem-sucedido. Com o sucesso dos resultados do DOGE e sua capacidade de contaminação mundial pelo magnetismo de sua personalidade, isso poderia ter virado uma revolução na administração pública de muitos outros países num momento em que a maioria das economias estão sofrendo de déficits muito elevados, orçamentos curtos e alta demanda em novos investimentos estratégicos como os de defesa, da transição energética e da saúde.

Alexandre Lapersonne

Founder Partner